*Por Josiane Palomino, Diretora de Geração da Comerc Energia
Analisar a matriz energética brasileira é o ponto de partida para qualquer discussão sobre o uso da energia solar e as perspectivas desse segmento no país. Nossa matriz energética é considerada por especialistas como uma matriz diversificada, com grande foco em energias renováveis – sobretudo hidreletricidade e produtos da cana-de-açúcar (etanol e biomassa). A geração hídrica corresponde a quase dois terços da eletricidade gerada e o etanol surgiu no rastro da crise do petróleo na década de 1970, se tornando popular a partir de 2003, com a leva de veículos equipados com motores flex.
Na contramão do cenário mundial, cuja matriz energética é, historicamente, formada por um percentual expressivo (superior a 85%) de fontes fósseis, como o carvão e o petróleo, no Brasil esse percentual não passa dos 50%. De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2027, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o percentual de uso de energias renováveis dentro de nossa matriz deve passar de 43% em 2017 para 48% em 2027.
Dentro desse montante, a fatia correspondente à energia solar centralizada representa apenas 1,4% da matriz elétrica brasileira, aquém de fontes como carvão mineral, petróleo, gás natural, biomassa e fontes eólicas. A explicação se deve, em parte, ao fato desse crescimento estar diretamente relacionado ao nosso modelo de novos projetos, altamente dependente do Ambiente de Contratação Regulada (ACR), associado ao fato de que a energia solar só passou a ser mais competitiva no Brasil nos últimos anos.
Mesmo com um cenário parcialmente desfavorável, recentemente ultrapassamos a marca de 3.000 MW em potência instalada solar fotovoltaica no Brasil, o que inclui geração centralizada, micro e minigeração distribuída. É um número a ser valorizado, considerando o cenário no qual vivíamos há poucos anos, mas ainda distante de países como China, EUA, Japão e tantos outros com potência acumulada dezenas de vezes superiores à nossa.
Globalmente, as perspectivas do uso de energia solar são animadoras. Segundo as últimas projeções do relatório New Energy Outlook 2019 (NEO), feito pela BloombergNEF (BNEF), reduções significativas nos custos de tecnologias relacionadas à energia eólica, solar e baterias resultarão em uma importante popularização do uso dessas fontes até 2050. Com a demanda por eletricidade crescendo 62% entre 2018 e 2050, um aumento de quase o triplo da capacidade de geração global, mais investimentos serão necessários – estima-se que US$ 5.3 trilhões direcionados para plantas eólicas e US$ 4.2 trilhões para plantas solares. Com isso, a fatia representada pelas energias eólica e solar poderá passar de 7%, da geração de hoje, para 48% em 2050.
Ainda de acordo com o NEO 2019, módulos fotovoltaicos solares devem continuar em curvas agressivas de redução de custos – 28% para cada duplicação da capacidade global instalada. Em 2030, estima-se que a energia gerada/armazenada e distribuída por módulos fotovoltaicos solares, turbinas eólicas e baterias de íons irá reduzir a eletricidade gerada por usinas existentes a gás e carvão em quase todos os lugares do planeta, e que a energia eólica e solar, com a ajuda de baterias, será capaz de atingir 80% do mix de geração de eletricidade em vários países até a metade do próximo século.
No Brasil, alguns fatores específicos podem favorecer esse cenário, transformando a energia solar fotovoltaica na bola da vez: a disrupção do setor elétrico e a entrada em vigor do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) Horário.
Quando falamos de disrupção do setor elétrico, um dos aspectos mais significativos a se destacar é a mudança de comportamento do consumidor, que deixou de ter uma postura passiva para se tornar um prossumidor (consumidor e gerador de energia). Ele deseja ser mais eficiente, desenvolver sua própria fonte de energia e ter controle sobre ela, por meio de dispositivos de armazenamento como baterias, além da possibilidade de consumir uma energia renovável. Esse prossumidor terá um papel cada vez mais estratégico na forma como nosso cenário elétrico se desenvolverá no futuro.
Vale destacar que essa mudança não terá impactos apenas na matriz solar, mas tendo em vista que ela atende perfeitamente as necessidades primárias de quem precisa de mais energia no Brasil (geralmente durante o dia), não há dúvidas de que o cenário para esse segmento é promissor.
Outro aspecto que vale ser destacado é o fato de que a energia solar é a fonte renovável que melhor atende o perfil de consumo comercial. Para exemplificar, podemos utilizar a curva de geração solar comparada ao consumo de um shopping center:
Se não houver mudança substancial no cenário, devemos chegar em 2027 com uma potência instalada centralizada próxima de 8,6 GW – ainda tímida, mas quatro vezes superior a 2019, um crescimento bastante considerável.
Já no caso da micro e minigeração distribuída, poderemos alcançar a marca de 21 GW de potência instalada:
Há, no entanto, um fator que poderia alterar drasticamente essa escala: o Ambiente de Contratação Livre (ACL), também chamado de mercado livre de energia.
No cenário atual, todas as partes envolvidas podem se beneficiar mutuamente: o ACL precisa de mais energia disponível para ser negociada, enquanto a energia solar precisa se livrar das amarras da atual dependência de leilões de venda de energia (A-4 e A-6 por exemplo).
Esse movimento já pode ser observado nos últimos leilões, que tiveram um direcionamento maior dos parques para o ACL, inclusive com grandes players viabilizando parques de geração no ACL. No leilão mais recente de energia nova A-6 (outubro/2019), foram contratados 1.155 MW médios de energia com estimativa de investimentos de R$ 11,2 bilhões e previsão para início das operações em 2025. No total, foram contratadas 91 novas usinas, sendo 11 solares fotovoltaicas – localizadas nos estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, totalizando 530 MW de potência e 163 MW médios de garantia física, com investimento estimado em R$ 2,1 bilhões.
A energia solar fotovoltaica oferece preços cada vez mais competitivos e já inferiores aos de outras fontes renováveis, como PCHs, biomassa e eólica, resultado direto da redução no custo para adquirir equipamentos e aumento de eficiência dos equipamentos.
O crescimento da energia solar pode ser um fator impulsionador de nossa economia nacional. Projetos de energia solar no ACL gerarão novas oportunidades em segmentos importantes de nossa economia, como indústrias, shopping centers, supermercados, entre outros. Isso será possível por meio da estruturação de produtos customizados, adequados especificamente às necessidades de consumidores com uma curva de consumo de energia elétrica diurna, no horário comercial, quando a geração da fonte solar fotovoltaica se destaca. Se considerarmos que, do total de unidades que contratam energia no mercado livre hoje, 28% são comércios e 15% serviços, não é difícil entender como essa correlação existe, tendo em vista que a maior parte deles atua dentro do que popularmente chamamos de horário comercial.
O resultado de uma estratégia como essa pode ser auspicioso e explicar a previsão do Energy Watch Group que indica que o 1% da fonte solar na matriz mundial de energia hoje se torne 69% até 2050:
Nos próximos meses, teremos a oportunidade de dar mais um passo no desenvolvimento do setor de energia renovável no Brasil: o Leilão de Energia Nova A-4, com o objetivo complementar a demanda daquilo que as distribuidoras declararam no A-6 do ano passado. Segundo especialistas, é um leilão muito interessante do ponto de vista ambiental – são 1.528 projetos inscritos na Empresa de Pesquisa Energética, com 51,4 mil MW de potência instalada, para geração de fontes hídrica, eólica, solar fotovoltaica e termelétrica a biomassa.
Todos esses aspectos representam um momento bastante interessante. A disrupção do setor de energia e o crescimento do mercado livre serão um marco para a energia solar no país. Uma opção mais barata para o consumidor e melhor para o meio ambiente, uma revolução que o Brasil está pronto para liderar.