Na edição de ontem do Fantástico, Rede Globo, foi veiculada a matéria: “Falta de planejamento provoca prejuízos que afetam a conta de luz”, acerca dos fatores que elevaram a conta de luz em 58% em relação à 2013.
Os fatores abordados pela matéria, que culminaram na atual situação do setor elétrico, são:
- Falta de planejamento.
- Descompasso das obras do setor, atraso na construção de usinas e linhas de transmissão: um prejuízo de mais de 8 bilhões de reais.
- Medida provisória nº579 (em 2012).
- Baixo nível dos reservatórios e uso constante das termelétricas.
- Prejuízo das distribuidoras.
- Aumento das tarifas.
- Obras de Jirau, Santo Antônio e Belo Monte.
Mesmo com estes fatores, o risco de apagão caiu. A demanda de energia no Brasil caiu 3% em relação a 2014, devido à desaceleração da economia. A economia está em queda, e a conta de luz permanecerá em alta, pelo menos, até 2018.
Abaixo, leia a matéria na íntegra, ou se preferir, acesse: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/07/falta-de-planejamento-provoca-prejuizos-que-afetam-conta-de-luz.html
Falta de planejamento provoca prejuízos que afetam conta de luz – Repórter Sônia Bridi percorreu usinas de energia em todo o Brasil para mostrar por que a conta de luz anda tão alta.
A conta de luz está pesando no bolso do brasileiro. Em comparação com o que a gente pagava em 2013, o preço subiu mais de 58% e, infelizmente, é bom ir se acostumando. A conta vai ficar alta ainda por muito tempo.
Sabe por quê? A repórter Sônia Bridi mostra agora que a culpa não é de São Pedro. Problemas de planejamento e gestão do sistema elétrico provocaram um prejuízo de bilhões de reais. E essa conta quem paga é você.
Nos pampas gaúchos, bem na fronteira com a Argentina, a usina da discórdia. Inaugurada em 2001 pelo então presidente Fernando Henrique e a secretária de Energia do Rio Grande do Sul, Dilma Rousseff. Era para funcionar com gás fornecido pelos vizinhos. Um arranjo para durar 20 anos.
Mas desde 2008 a torneira do gás foi fechada. A Argentina diz que não tem gás para fornecer ao Brasil. Para ligar a usina este ano, veja a operação necessária.
Em fevereiro deste ano a AES, a empresa dona da usina, comprou gás liquefeito na África, descarregou no porto de baía Blanca, onde o gás foi processado e carregado nos dutos argentinos. Tudo isso para produzir por três meses e meio. Contando esse tempo, em sete anos, a usina funcionou apenas sete meses e custou muito caro. A Argentina diz que não tem espaço no gasoduto para atender o Brasil. E o brasileiro mais próximo está a 600 quilômetros.
E qual é a solução proposta pelo governo? Desmontar toda a usina e levar para outro lugar.
“A melhor alternativa pra Uruguaiana é que se desmonte a usina e que ela vá pra um centro metropolitano, como Rio, São Paulo, Minas Gerais, não importa, aonde tenha gás e, é claro, tenha uma carga pra consumir aquela energia”, diz Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética.
Fantástico: Essa é a única solução?
Ítalo Freitas, vice-presidente de Operações da Geração da AES: Não. A solução de Uruguaiana ela também passa em ficar aqui. Há a possibilidade de transporte? Há. Tem que levar em conta vários fatores além de ser uma movimentação bastante cara para a usina.
O custo exato não foi calculado, mas será de centenas de milhões de reais. E a operação só será viável se ele for transferido para as contas de luz. O Tribunal de Contas da União investigou o sistema elétrico brasileiro e apontou as causas do preço alto da energia. Uma delas, o descompasso das obras.
Para que a nova energia entre no sistema é preciso ter uma usina gerando, as linhas de transmissão e a distribuição. Só que, segundo o TCU, no Brasil, com frequência, uma parte fica pronta e a outra, não. Aí não adianta porque a energia não chega ao consumidor. Esse descompasso nas obras, segundo o TCU, em apenas dois anos provocou um prejuízo de R$ 8,3 bilhões ao Brasil.
Há dois anos o Fantástico mostrou os parques eólicos do Nordeste. Prontos para gerar, mas parados por falta de linha de transmissão. Só que o contrato dizia: se a obra está pronta, a empresa deve receber pela energia. Quanto?
Elbia Melo, presidente da Abeeólica: Da ordem de R$ 2 bilhões no período de 2012 a 2014.
Fantástico: Dois bilhões?
Elbia Melo: R$ 2 bilhões.
Fantástico: Quem é que paga?
Elbia Melo: O consumidor. Vai para a conta do consumidor.
Agora a regra mudou: a usina só pode ser construída com a transmissão já pronta. Segundo o TCU o atraso nas obras de energia é constante e atinge quase 80% dos projetos.
Angra dos Reis. O engenheiro Costa Mattos foi trabalhar ali em 1976. O jovem engenheiro sonhava construir as três usinas da central nuclear. Angra 1 ficou pronta em 85, a 2 entrou em operação já no século 21, a 3, planejada na Ditadura, atravessou 4 décadas de história. E a aposentadoria está chegando.
Fantástico: Era um sonho ver isso pronto?
José Eduardo da Costa Mattos, superintendente de construção de Angra 3: Era um sonho que deveria ocorrer, mas que eu espero que venha acontecer muito rapidamente.
Planejada para ficar pronta em 83, a obra só começou em 2010. Deveria estar terminando este ano, mas atrasou de novo. Uma das razões é que, para garantir que a usina nuclear está sendo construída com segurança, cada etapa da obra tem que ser licenciada pelo CNEN, a Comissão Nacional de Energia Nuclear. Só que, durante anos, a CNEN tinha apenas um engenheiro para cuidar de uma obra desse tamanho.
“Nós tínhamos um especialista que provavelmente está entre os dez maiores especialistas do país dentro da área. Pessoa reconhecida internacionalmente”, diz Ivan Salati, diretor da CNEN.
Fantástico: Mas era sozinho para trabalhar nessa avaliação?
Ivan Salati, diretor da CNEN: Ela sozinha, mas era bastante rápida e muito dedicada.
A CNEN diz que a proibição de novas contratações no governo federal, em 2011, impediu que engenheiros já concursados assumissem. Para o TCU, essa economia de salários parou a obra.
“Nunca parou. Dentro da nossa avaliação nunca parou esperando uma licença da CNEN”, diz Ivan Salati.
Mas a Eletronuclear contabiliza um prejuízo milionário.
Othon Luiz Pereira da Silva, presidente licenciado da Eletronuclear: São R$ 156 milhões por mês.
Fantástico: De atraso?
Othon Luiz: É o que deixou de faturar.
No ano passado, foi a construtora Camargo Corrêa que parou tudo, pedindo aumento no contrato. O então presidente da Eletronuclear reagiu assim, na época: “Não é do perfil da gente concordar com faca no pescoço”, afirmou Othon Luiz Pereira da Silva, presidente licenciado da Eletronuclear.
A construtora voltou ao trabalho e continua negociando um aditivo. E o presidente da Eletronuclear se licenciou enquanto é investigada a denúncia, feita em delação premiada pelo ex-presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini, de que havia pagado propinas para conseguir a obra.
O novo prazo para terminar Angra 3 agora é agosto de 2018. Só falta um detalhe: dinheiro. É que o custo que começou em R$10 bilhões já chega a R$ 15 bilhões por causa dos atrasos e correções.
O ministro das Minas e Energia garante que vai resolver o impasse.
“Eu gostaria de te convidar para agosto de 2018 a gente poder assistir o início da geração de teste de Angra 3”, afirmou Eduardo Braga.
Isso só será possível, aumentando o preço da energia de Angra quando ela ficar pronta.
Há dois anos, uma medida provisória da presidente Dilma, a MP 579, forçou as usinas a renovar seus contratos de longo prazo com o governo, por valores mais baixos e o preço da energia caiu, em média, 20%. Aí, o consumo aumentou. Já estávamos num período de seca. Mas foi ela que disparou a crise? Ou falta de planejamento?
“É absolutamente equivocado atribuir à natureza ou à São Pedro a culpa pela situação em que se encontra o sistema, como também foi em 2001 e 2002 no governo Fernando Henrique Cardoso. Ambos tentam atribuir à natureza, o que na verdade é pura responsabilidade do governo, que precisa planejar a demanda e planejar a oferta”, afirma o especialista em setor elétrico Ildo Sauer.
Fantástico: Então a culpa não é de São Pedro?
Ildo Sauer, especialista em setor elétrico: A culpa é do governo agora como foi em 2001.
Sem outras fontes de energia, a água dos reservatórios foi usada além da conta. De lá pra cá a seca só piorou. Os reservatórios foram baixando e as hidrelétricas foram obrigadas a produzir menos energia. Aí, todas as termelétricas que produzem energia com gás, óleo ou carvão foram ligadas ao mesmo tempo. Só que essas usinas foram feitas para casos de emergência, porque a energia delas é muito mais cara. Enquanto um megawatt/hora de uma hidrelétrica é em média de R$ 120, a das térmicas pode passar dos R$ 800. As distribuidoras, que entregam a energia nas nossas casas, a indústria, o comércio foram acumulando bilhões de reais em prejuízo. E como é que essa conta está sendo paga?
Durante dois anos, o rombo foi sendo coberto pelo Tesouro Nacional, aquele dinheiro dos impostos para investir nas escolas, saúde, habitação. O que era para ser economia, custou o dobro.
Fantástico: Durante esse tempo que a tarifa de energia ficou mais barata, o consumidor deixou de pagar trinta e poucos bilhões…
Vital do Rêgo Filho, ministro do Tribunal de Contas da União: R$ 32 bilhões.
Fantástico: R$ 32 bilhões. E quanto o governo aportou para segurar esse…
Vital do Rêgo: R$ 64 bilhões. Para segurar esta economia de fonte do tesouro.
“Chegou ao limite. Ao limite da responsabilidade prudencial do país. Que que aconteceu? O governo teve a coragem e ao mesmo tempo a humildade de dizer ‘nós temos que voltar a um realismo tarifário porque nós não vamos ter como suportar isso’”, diz Eduardo Braga.
Cobrando o preço real da energia, o aumento em média foi de 58% em um ano. Outra conta envolve uma disputa entre a Aneel e as três maiores usinas em construção no país.
Santo Antônio, em Rondônia. No fim do ano, deve gerar energia para 45 milhões de pessoas. Hoje, em um lado da barragem, já está produzindo. Do outro, ainda estão sendo instaladas as turbinas. O volumoso Rio Madeira, não tem esse nome à toa. Todos os dias, são retiradas da barragem toneladas de troncos trazidos pelo rio.
Mas foram greves, depredação e destruição do canteiro que, segundo a Santo Antônio Energia, atrasaram a obra. Uma conta complicada, já que de fato, ela começou a gerar antes do prazo inicial.
Essa possibilidade de ir gerando energia na parte da barragem que já está pronta, enquanto continua as obras em outro trecho, fez com que a Santo Antônio Energia propusesse uma mudança no contrato para começar a gerar um ano antes do previsto. Só que de fato essa antecipação foi de nove meses.
A conta da diferença é de R$ 800 milhões.
“Adotou uma estratégia comercial muito agressiva e tomou para si um risco que eu diria talvez não devesse tomar. Agora, o que não é justo é esse risco ser alocado para quem não teve a escolha de tomar o risco, é do consumidor”, diz Romeu Rufino, diretor-geral da Aneel.
“A empresa não está se eximindo desse risco. Ela assumiu o risco. Porém ela não pode abrir mão de um direito”, afirmou Eduardo de Melo Pinto, presidente da Santo Antônio Energia.
O direito seria o chamado excludente de responsabilidade, ou seja, descontar o atraso provocado por greves e vandalismo.
“E nós não estamos com isso tentando repassar pra Aneel. Todo o atraso e toda a consequência pelo atraso. Não. É a parcela do impacto das greves possível de enquadrar como excludente”, disse o presidente da Santo Antônio Energia.
Cem quilômetros acima, no Rio Madeira, outra usina, a de Jirau, também está em disputa com a Aneel com relação aos prazos para geração de energia e sobre quem deve pagar a conta pelo atraso. Em Jirau o estrago das greves foi ainda maior. E o atraso gerou uma conta de R$ 3 bilhões.
“O consumidor contratou energia, e ele deve entregar. Se não conseguiu produzir na usina, ele tem a obrigação contratual de comprar no mercado e entregar essa energia”, ressalta Romeu Rufino, diretor-geral da Aneel.
A usina entrou na Justiça contestando a decisão da Aneel.
“Hoje, Jirau é a terceira maior usina em produção no Brasil, ficando atrás de Itaipu e Tucuruí. E aí é o que o próprio diretor-relator disse: ‘Jirau é muito grande para quebrar’. E nós vamos quebrar se a Aneel continuar insistindo de nos cobrar R$ 3 bilhões”, disse Victor Paranhos, presidente energia sustentável de Jirau.
Belo Monte. A quarta maior hidrelétrica do planeta vai barrar o Rio Xingu, no Pará, e desviar parte da água para um impressionante sistema de diques e canais com até 300 metros de largura. Tudo vai para um reservatório, onde está a barragem principal, que vai produzir mais energia que Santo Antônio e Jirau juntas. Na outra barragem, aquela que desvia as águas, uma outra usina, bem menor, já deveria estar gerando desde fevereiro, mas só deve começar no fim do ano.
“Nós não concordamos com a postergação do cronograma e nem com a exclusão da sua responsabilidade por não ter entrado na data contratada”, disse Romeu Rufino, diretor-geral da Aneel.
A Norte Energia entrou na Justiça para não pagar essa conta. Diz que ocupações do canteiro de obras por indígenas, manifestações de desapropriados e greves provocaram um atraso que a usina não pôde evitar.
“Entendemos que nem nós nem a sociedade podem ser penalizados por ações que são excludentes de responsabilidade do empreendedor”, afirmou Duílio Diniz de Figueiredo, presidente da Norte Energia.
Por causa da obra a população de Altamira cresceu 50% e as medidas socioambientais que eram compromisso da empresa, não estão prontas. O hospital da cidade, sempre lotado, enquanto o novo, feito pela usina, ainda não foi aberto. Estações de tratamento de água e esgoto modernas. A rede pronta. Mas as ligações com as casas não foram feitas.
Encontramos Seu Otávio e a família de mudança. Ele morava numa ilha que vai ser inundada. Recebeu R$ 12 mil de indenização. O dinheiro se foi rápido. Por dois anos morou de aluguel, com a mulher, os filhos e netos, todos analfabetos. Na cidade, o ribeirinho que vivia de pesca não encontrou trabalho.
“Emprego aqui é só pra quem é sabido. Se não for sabido, não tem emprego”, lamenta Otávio.
Com ajuda da Defensoria Pública da União, a família foi reassentada pela usina num conjunto habitacional. Outras mil famílias cadastradas pela Defensoria não são reconhecidas pela empresa como desalojadas. Os índios que terão suas terras atingidas reclamam que as obras que deveriam ser feitas mal começaram, a empresa diz que investiu R$ 3,5 bilhões nessas obras. Mas sem resolver essas pendências, a licença de operação pode atrasar.
Assim, chegamos a esse ponto. Pelo menos o risco de apagão é pequeno.
“O risco de apagão diminuiu não porque aumentou a produção de energia, mas porque a demanda reduziu de uma maneira brutal devido aos problemas da economia”, explica Mario Veiga, consultor em setor elétrico.
É que o consumo, em vez de crescer 3% em um ano, por causa da crise econômica, caiu 3%. Está 6% menor do que o previsto.
“Então, na prática, nós reduzimos a demanda, mas pela pior razão possível que é a queda da atividade econômica”, informa Mario Veiga.
Mas a conta de luz ainda não parou de subir. Para poupar água das hidrelétricas, todas as térmicas continuam funcionando. Vão ser desligadas aos poucos, até 2018, conforme a energia das novas usinas for entrando no sistema.
Fantástico: Ou seja, daqui até lá vai continuar subindo menos, mas vai continuar subindo?
Eduardo Braga, ministro de Minas e Energia: Não tem como. Nós não temos como dizer que nós vamos fazer a mágica de invertermos a lógica da gravidade.
Fonte: G1 Globo – Fantástico, Rede Globo