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Energia desincentivada

A liberdade de negociação para compra e venda de qualquer insumo com regras isonômicas e transparentes é um dos maiores ganhos para o ambiente macroeconômico de um país. Neste sentido, o surgimento do mercado livre de energia no Brasil foi um passo importante em direção à competitividade da indústria nacional. O segmento despontou relativamente tarde por aqui, ainda que já fosse possível negociar o preço da energia elétrica desde 1996, quando foi sancionada a Lei 9.074. O mercado só deslanchou após o memorável racionamento de 2001, que acabou disponibilizando um montante de energia para a livre negociação, resultante da economia conquistada no período. Atualmente, o mercado livre já corresponde a 27% do total da energia consumida no país e 60% do consumo industrial.

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A liberdade de negociação para compra e venda de qualquer insumo com regras isonômicas e transparentes é um dos maiores ganhos para o ambiente macroeconômico de um país. Neste sentido, o surgimento do mercado livre de energia no Brasil foi um passo importante em direção à competitividade da indústria nacional. O segmento despontou relativamente tarde por aqui, ainda que já fosse possível negociar o preço da energia elétrica desde 1996, quando foi sancionada a Lei 9.074. O mercado só deslanchou após o memorável racionamento de 2001, que acabou disponibilizando um montante de energia para a livre negociação, resultante da economia conquistada no período. Atualmente, o mercado livre já corresponde a 27% do total da energia consumida no país e 60% do consumo industrial.

Nesta trajetória, houve avanços relevantes que contribuíram para a evolução desse segmento no país. Dentre eles, vale destacar a criação do consumidor especial, figura com demanda contratada a partir de 0,5 MW com direito de negociar livremente a compra de energia de fontes incentivadas pelo governo, como eólica, biomassa e de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Embora existisse desde 1996, o consumidor especial ganhou expressividade a partir de 2006, com a maior disponibilidade destas fontes. Antes, o mercado livre era restrito a consumidores com demanda igual ou superior a 3MW, o que abrange, basicamente, grandes indústrias.

Ocorre que a energia gerada por fontes incentivadas é mais dispendiosa do que a energia convencional de grandes hidrelétricas.  O custo por MWh  para construção e manutenção de empreendimentos deste tipo é elevado e, fatalmente, repassado ao preço final da energia. Para minimizar este fator e impulsionar o desenvolvimento da matriz limpa no país, o governo concede como benefício ao consumidor um desconto nas tarifas de transmissão e distribuição, que compõem o preço final do insumo junto com o custo de geração, encargos e impostos. Estas tarifas de uso do sistema são reguladas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e inegociáveis, então a concessão dos descontos, que variam de 50% a 100%, são um estímulo à contratação de fontes incentivadas.

De fato, a medida é positiva tanto para consumidores, que podem contratar energia limpa a preços mais atrativos, quanto para os geradores destas fontes, que ganham competitividade em um mercado antes dominado por fontes convencionais com custos tipicamente mais baixos. Porém basta observar atentamente a aplicação do incentivo para notar uma inconsistência em relação à dinâmica de um mercado realmente livre. Pelas regras vigentes, cada fonte incentivada carrega em si um percentual pré-determinado de desconto nas tarifas de uso. Hoje, alguns geradores de fonte eólica, solar, biomassa, PCHs e a cogeração qualificada com injeção de até 30 MW proporcionam 50% de desconto, enquanto alguns projetos solares com parâmetros específicos concedem 80%. Já a geração que utilize no mínimo 50% de resíduos sólidos urbanos e biogás de aterro sanitário oferece desconto de 100% nas tarifas de uso para o consumidor.

Apesar da concessão de desconto ser sempre produtiva para a fluidez do mercado, há boas oportunidades de melhorias que poderiam explorar ao máximo as vantagens que a flexibilidade do mercado livre proporciona para consumidores e geradores. Um exemplo é a combinação ilimitada de contratos de fontes incentivadas para suprir a demanda do consumidor. Atualmente, está em curso a discussão sobre as modalidades de composição de contratos com 100% de desconto nas tarifas de uso a partir de outras fontes com descontos menores.  A possibilidade de mesclar diferentes fontes incentivadas é muito positiva para todos os participantes do mercado.  Para o consumidor, isso significa que a futura compra de montantes adicionais de energia poderá ser feita de geradores da diferentes categorias de desconto, ampliando o número de ofertantes. Ao mesmo tempo, para os geradores incentivados a situação é benéfica a partir do momento em que o universo de potenciais compradores da sua energia é multiplicado. Vale notar que os geradores com direito à concessão de 100% de desconto nas tarifas de uso são minoria. Caso o direito ao desconto de 100% seja reservado exclusivamente a esta classe de geradores, existe o risco de que esses geradores se tornem isolados da liquidez conquistada pelo resto do mercado. Com as combinações de contratos totalmente permitidas, as oportunidades de negócios são ampliadas para esta classe. Paralelamente, os geradores da categoria de 50% de desconto também são beneficiados, já que a demanda por este tipo de energia fica naturalmente maior.

As estratégias de composição de ofertas em um ambiente isonômico são características fundamentais do conceito de livre negociação. Somente a liberdade total deste mercado poderá fazer com que o ambiente de negócios não se torne um verdadeiro desincentivo à energia limpa no Brasil.

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