O sol dominou imaginação, corações e mentes de diversas civilizações. No Brasil, o seu estrelato agora ganha novos contornos neste início de 2018. Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), em janeiro o País alcançou a marca histórica de um gigawatt (GW) de potência instalada em usinas de fonte solar fotovoltaica conectadas à matriz elétrica nacional. O marco é apenas um dos indícios de que essa fonte de energia vem ganhando cada vez mais espaço no Brasil.
Pelos dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a geração centralizada abrange hoje 82 usinas solares em operação com potência de 965.325 MW, as quais correspondem a 0,61 % da matriz elétrica brasileira. É só o começo, pois, no curto prazo, 28 novas usinas solares entrarão em operação, com potência adicional de 784 MW. Na fila, ainda temos outros 39 projetos, cujas construções ainda não foram iniciadas, de potência estimada total de 935,2 MW. Mas, quando a ideia é utilizar os telhados para implantação dos projetos de geração de energia solar, nós nos depararemos com mais de 24 mil pequenos projetos de geração solar fotovoltaicas em operação. São os embriões do cenário previsto pelo relatório Bloomberg New Energy Finance (BNEF), de 2017, que descreve que, já em 2040, teremos no Brasil uma casa a cada cinco com painéis solares produzindo a sua própria energia.
A energia solar também conquista seu espaço, ao redor do globo, a passadas largas. Até o início da década de 40, informa o BNEF, serão investidos US$ 2,8 trilhões nessa fonte de energia, um valor 50% maior do que o PIB do Brasil em 2016 (algo próximo a US$ 1,8 trilhão, pelos cálculos do Banco Mundial). Esses aportes serão responsáveis por multiplicar a capacidade de produção em 14 vezes, garantindo uma fatia de 34% na geração de energia elétrica mundial. Hoje, em todo o planeta, os projetos de energia fotovoltaica custam perto de US$ 100 o MWh (BNEF 2016 ). Mas, se pensarmos apenas em geração distribuída, até 2040, os preços terão caído ao ponto de ser possível comprar 2,3 vezes mais energia com o mesmo valor gasto hoje, calcula a Bloomberg em seu relatório de 2017.
Esses indicadores apontam para a mesma direção: um maior protagonismo do prossumidor – termo que designa o consumidor que produz total ou parcialmente a sua energia elétrica. Ao invés de depender de usinas distantes – muitas vezes a milhares de quilômetros – este personagem opta por um consumo mais consciente, de menor pegada de carbono e se torna menos vulnerável às variações de preço de energia da distribuidora local.
O Brasil, em particular, tem muito a ganhar com energia solar. Basta ter-se em mente que o melhor dia de sol da Alemanha, um dos expoentes no uso da energia solar fotovoltaica, capta uma irradiação menor que o pior dia de sol em todo o território nacional. A Absolar possui uma imagem comparando os territórios brasileiros e o da União Europeia em que essa diferença salta aos olhos.
É importante termos em mente, no entanto, que o retorno do investimento em energia fotovoltaica não se mede apenas pelo nível de irradiação disponível. Um fator determinante é o custo da energia em uma data região. Quanto mais cara for a energia elétrica cobrada pela distribuidora local – levando-se em conta a combinação entre tarifa e os impostos locais (ICMS, PIS e COFINS) que incidem sobre ela – mais rápido se torna o payback em energia solar fotovoltaica, que substitui, ao menos parcialmente, essa fonte. Levando-se em conta essas variáveis, a Comerc ESCO produziu um índice para orientar seus clientes sobre o prazo de retorno do investimento nas capitais brasileiras. Por esse ranking, na baixa tensão, Teresina é de longe a capital em que o investimento em energia solar obtém o melhor payback no País: 3,14 anos. Na alta tensão, a capital campeã é Manaus, com 4,9 anos. Mas, mesmo levando-se em conta a capital lanterninha – Macapá – com um retorno em 12,32 anos, na alta tensão, projetos de energia solar continuam sendo indicados, principalmente nas unidades de baixa tensão (residências, pequenos comércios entre outros). Afinal, a vida útil de um painel solar é de 20 anos. Ou seja, depois de obtido o payback, esta fonte de geração de energia fornecerá energia com baixíssimo custo (apenas eventuais manutenções e troca de inversores) por muitos e muitos anos.
Mas ainda temos um longo caminho a ser percorrido. Nos bastidores do setor elétrico dá-se uma silenciosa e tensa queda de braço entre prossumidores e distribuidoras de energia. E não sem razão: essas grandes companhias são obrigadas a investir pesadamente na rede de distribuição, de um lado, mas enfrentam ameaças de uma erosão crescente da sua receita ante a crescente adesão à geração distribuída. Esse movimento acaba por ser inexorável, uma vez que em diversos lugares no mundo já aconteceu o mesmo processo. Cabe às distribuidoras tentarem identificar um novo papel nesse cenário.
Do ponto de vista técnico, outro grande desafio instiga o setor de energia solar fotovoltaica: a sua intermitência. Afinal, o horário de ponta regulamentado pelo setor elétrico (3 horas consecutivas entre 17h00 e 22h00) não coincide com o horário de pico da produção de energia solar. Apesar de análises que comprovam que o pico de consumo diário de energia foi deslocado do horário regulamentado para mais cedo, isso ainda não foi alterado pelo governo. Se houvesse uma alteração com essa, a geração solar poderia ajudar a resolver um grande problema da nossa matriz de geração, que precisa despachar usinas térmicas para suprir os picos de consumo.
Além disso, temos um novo protagonista, que deverá começar a atuar como coadjuvante no setor elétrico brasileiro: as baterias, que ficaram mais potentes, eficientes e com vida útil mais longa. Hoje, são capazes de armazenar energia durante o dia, fornecendo o insumo à noite, quando não há mais luz solar. Nos próximos anos, elas terão um papel disruptivo. Não está longe o momento em que o prossumidor, enfim, conquistará a sua total independência da rede de distribuição, mudando radicalmente a face do setor elétrico.
(*) Marcel Haratz é diretor da Comerc ESCO