O Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas levanta questões importantes, como os motivos do que está acontecendo, como as regiões do planeta são afetadas e o que deve ser feito para evitar as piores consequências.
A Organização das Nações Unidas (ONU) confirmou, no início de julho, que a Antártica, no extremo sul do planeta, registrou temperatura de 18,3°C em fevereiro de 2020 – recorde de alta para o continente.
Neste momento, na outra ponta do globo, no círculo polar ártico, a região nordeste da Sibéria está enfrentando um dos verões mais quentes de sua história. Alguns locais marcaram 38°C à sombra e picos de temperatura que se aproximaram dos 50 graus no final de junho. Nessa mesma região, os incêndios florestais se agravaram na primeira semana de agosto e a fumaça chegou ao Polo Norte, segundo relatos da NASA – a agência espacial dos Estados Unidos.
Há incêndios florestais, também, no oeste do Canadá e noroeste dos Estados Unidos, ambas as regiões com registros de temperaturas entre 40°C e 45°C. O mesmo acontece na Grécia e na vizinha Turquia, que lutam para apagar barreiras de fogo neste mês de agosto, enquanto ondas de calor não dão trégua.
Em países da Europa, como Alemanha, Bélgica e Holanda, foi a chuva intensa que surpreendeu e provocou dezenas de mortes. Na região central da China, choveu em apenas três dias o que normalmente cairia ao longo de quase um ano, de acordo com o serviço meteorológico local. Segundo especialistas em clima, foi a maior tempestade desde o início do registro desses dados, há 60 anos.
Já no Brasil, o governo federal tenta minimizar os efeitos da pior crise hídrica dos últimos 91 anos, que pode levar ao racionamento de energia e apagões, conforme temem especialistas do setor.
Esses não são eventos isolados. Os riscos crescentes associados às mudanças climáticas têm gerado discussões no meio acadêmico e em organismos internacionais ligados ao clima. Há anos, cientistas alertam que a crise climática provocaria situações extremas como as que estamos vendo, tornando-as mais frequentes e mortais.
O homem e o clima
O alerta mais recente foi dado no dia 9 de agosto, pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climática (IPCC, na sigla em inglês), ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), que publicou seu relatório mais importante e completo desde 2014, data da última edição do documento. A conclusão é clara: já não restam dúvidas de que a influência humana é fator determinante na aceleração das mudanças climáticas.
O relatório, com 3.500 páginas, escrito por 234 autores de 66 países, quantifica pela primeira vez a responsabilidade humana no aquecimento global. Para se ter uma ideia, a temperatura média do planeta subiu 1,1 grau desde a segunda metade do século 19, com o advento da Revolução Industrial. Agora, no melhor dos cenários traçados pelo IPCC, essa alta deve alcançar 1,5 grau de aquecimento nas próximas duas décadas.
Mas esse é um dado médio. Há regiões onde o aquecimento é mais acelerado e os estragos são mais evidentes. No ritmo em que estamos, o mundo poderá alcançar o aumento de temperatura de 1,5°C ainda nesta década, entre 2021 e 2030, de acordo com cenários mais sombrios traçados pelos cientistas que prepararam o relatório. Se a previsão se concretizar, o impacto sobre alguns ecossistemas poderá ser irreversível.
A dependência da comunidade internacional de combustíveis fósseis é a principal razão pela crise climática do planeta, por meio da emissão de gases de efeito estufa, como dióxido de carbono e metano. Assim como os cientistas apontam, claramente, a poluição do carbono pelo aumento das temperaturas, eles também deixam claro que a única maneira de desacelerar e, eventualmente, reverter o aquecimento é reduzir as emissões de gases de efeito estufa a zero.
Evitar 1,5 grau de aquecimento (com base na temperatura média da Terra em 1850) é, hoje, quase impossível, mas ainda há como minimizar o agravamento dos impactos decorrentes desse limite e até mesmo dos 2 graus de aquecimento em algumas regiões. O secretário-geral da ONU, António Guterres, classificou o relatório como "um código vermelho para a humanidade".
O relatório do IPCC na mídiaDurante dias, desde a sua publicação, o relatório do IPCC esteve entre as principais notícias de jornais e demais canais de comunicação. O Valor Econômico, por exemplo, resumiu as mensagens do sumário executivo do documento em cinco pontos: 1. As mudanças recentes no clima estão espalhadas por todos os lugares, estão ocorrendo rápido e se intensificando. São sem precedentes em uma escala de milhares de anos. 2. Limitar o aumento da temperatura em 1,5°C (que é um dos objetivos do Acordo de Paris, de 2015, e que reduz danos) depende de forte e imediata redução na emissão de gases-estufa. Ou a meta será inatingível. 3. Não há como retroceder em algumas mudanças que já estão acontecendo, como o degelo das geleiras e das calotas polares e as transformações nos oceanos. Mas algumas podem ocorrer mais devagar e outras podem parar, se o aquecimento deixar de ser alimentado pelos gases-estufa. 4. Há consenso de que o nível do oceano continuará subindo, mas a elevação total neste século depende do cenário de emissões. 5. É provável que o Ártico fique sem gelo marinho no pico do verão, em setembro, pelo menos uma vez antes de 2050. |
Impactos para o Brasil
Analistas afirmam que, em um dos cenários desenhados pelo relatório do IPCC, os impactos para o Brasil incluem mais dias sem chuva no sul da Amazônia, em um processo de “savanização”. Uma das faunas e floras mais ricas do planeta poderá ser duramente prejudicada.
O Cerrado, já com 50% de sua cobertura devastada, e de onde se origina a maior parte dos grãos exportados, passará por mais secas, com temperaturas mais elevadas – e incêndios de maiores proporções que os de 2020.
É sabido que a matriz elétrica brasileira é uma das mais renováveis do mundo, mas o Brasil tem, no desmatamento, na pecuária e na agricultura, três agentes danosos à poluição climática. O agronegócio figura também entre as prováveis vítimas da crise do clima.
O próprio Ministério da Agricultura já admitiu que o setor agropecuário é um dos mais vulneráveis à mudança do clima. De acordo com avaliação divulgada à imprensa, “cenários de aumento de seca, chuvas mais intensas, aumentos ou diminuição de temperatura podem levar a perdas de produção e comprometer diretamente a segurança alimentar nacional e global, gerando prejuízos socioeconômicos incalculáveis”.
O ministério ressaltou, ainda, que desde 2010 “vem trabalhando intensivamente nas questões de mitigação de gases de efeito estufa (GEE) no setor agropecuário”.
COP 26A partir da divulgação do relatório do IPCC, as atenções estarão voltadas para a Conferência sobre Mudança Climática de Glasgow, a COP 26. Entre os dias 1º e 12 de novembro, líderes de 196 países estarão reunidos em Glasgow, na Escócia, para uma grande conferência do clima – ocasião especial para as nações darem passos decisivos no combate ao aquecimento global. COP é a sigla para Conferência das Partes – um encontro anual que reúne representantes de nações para discutir as mudanças climáticas e formas de combatê-las. A COP é uma das ações da ONU que, no conjunto, têm como objetivo reduzir o impacto da atividade humana sobre o clima. A expectativa para a COP 26 é de que as nações se comprometam a rever suas metas de corte das emissões de gases causadores do efeito estufa; avancem na produção de energia renovável; ajudem países pobres a lidar com os impactos da mudança climática, entre outras medidas mitigadoras. |
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